terça-feira, 24 de julho de 2012

Amizade pelo Caminho


A conversa se revelava tristonha, as palavras pesavam tal qual a mais cruel das dúvidas, a esperança foi acertada pela frieza apática da desesperança, e a cada frase, nas entrelinhas, se ouvia os porquês de coisas pouco lógicas que lhes haviam acontecido.

Eles estavam caminhando. Na estrada os passos daqueles dois homens eram vacilantes, seus pés eram solidários ao luto, ao desconforto da dor e ao lamento dominical; porque quando se perde um amigo muito amado tudo no humano é abalado, inclusive o vigor da caminhada, ainda mais quando o caminho traz metaforizada a imagem do amigo que se deixou matar de forma pouco razoável.

As dúvidas do luto são sagradas, mas elas sempre podem ser compartilhadas, com quem com o luto se importa, bem como o desalento. E assim o fizeram os dois enlutados com o peregrino, quiçá desinformado e curioso, que não sabia a dor de uma multidão ali representada pelos dois andantes languidos. Em momentos como esses, compartilha-se sentimentos não com a intenção de que eles afetem outros tal qual aos que com eles sofrem, contudo para que a comoção alheia seja resposta transmutada em conforto, em acolhimento, em uma palavra de alento. Nessas circunstâncias, busca-se sempre um sentido para a perda, para a vida que se foi, para as que ficam e para a esperança que se esvazia tão de repente.

Assim foi que palavras começaram a esquentar a alma resfriada pela dureza da morte e a ressuscitar o sentido da vida que se havia decomposto. Assim fervia o coração dos dois homens ao ouvirem a voz do desconhecido expor graciosamente as razões da morte injusta e sangrenta do professor amigo, cujas imagens não lhes saiam da mente. Foi ali que eles puderam perceber que nunca se entende um amigo por completo, mesmo que esse amigo seja habilidoso em palavras,também porque o outro terá sempre um "que" de mistério divino. Foi ali que puderam perceber que o mestre do amor e dos marginalizados sempre falou do que haveria de acontecer, mas eles foram incapazes de compreender o sentido da palavra, do verbo, das boas novas, porque o coração queria que fosse diferente do que se estava sendo dito, coisa normal ao coração humano.

Mas chegou o momento da despedida do caminho e do peregrino, contudo, eles não podiam deixar o sábio andante caminhar mais adiante sozinho, porque já era noite, e na verdade, o tal homem queria mesmo era ficar. A desculpa de ele ter tomado aquele caminho, e ir mais adiante, era apenas uma desculpa de quem queria fazer uma doce surpresa aos amigos amados; desculpa de quem queria trazer esperança a alma desiludida; de quem queria se sentar à mesa e compartilhar a alegria do pão, símbolo da profunda amizade. E ali, certamente perceberiam de que o desconhecido era a pessoa mais íntima a eles. Porque há pequenos detalhes em uma amizade que são únicos a ela, é o que a torna insubstituível; porque há grandes detalhes em uma amizade que a torna imprescindível.

Ao redor daquela mesa, eles saberiam por que o coração deles ardia ao som da afável voz. Ali veriam de que ninguém sabia partir o pão tão amavelmente como o amigo que se deixou matar para continuar sendo a amizade que caminha lado a lado, que cruza o caminho no momento da desilusão, que se revela vida, quando o que resta é o luto da morte. Ali perceberiam de que o melhor amigo pode ser reconhecido até mesmo em um peregrino que se deixa ser a voz que mais se precisa ouvir. Que o melhor amigo pode estar junto a você a caminho de uma pequena aldeia, Emaús.

 2012 © Lucas Nascimento

Texto publicado originalmente em www.lucasnascimento.jimdo.com em 2011

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