A conversa se revelava tristonha,
as palavras pesavam tal qual a mais cruel das dúvidas, a esperança foi acertada
pela frieza apática da desesperança, e a cada frase, nas entrelinhas, se ouvia
os porquês de coisas pouco lógicas que lhes haviam acontecido.
Eles estavam caminhando. Na
estrada os passos daqueles dois homens eram vacilantes, seus pés eram
solidários ao luto, ao desconforto da dor e ao lamento dominical; porque quando
se perde um amigo muito amado tudo no humano é abalado, inclusive o vigor da
caminhada, ainda mais quando o caminho traz metaforizada a imagem do amigo que
se deixou matar de forma pouco razoável.
As dúvidas do luto são sagradas,
mas elas sempre podem ser compartilhadas, com quem com o luto se importa, bem
como o desalento. E assim o fizeram os dois enlutados com o peregrino, quiçá
desinformado e curioso, que não sabia a dor de uma multidão ali representada
pelos dois andantes languidos. Em momentos como esses, compartilha-se
sentimentos não com a intenção de que eles afetem outros tal qual aos que com
eles sofrem, contudo para que a comoção alheia seja resposta transmutada em
conforto, em acolhimento, em uma palavra de alento. Nessas circunstâncias,
busca-se sempre um sentido para a perda, para a vida que se foi, para as que
ficam e para a esperança que se esvazia tão de repente.
Assim foi que palavras começaram
a esquentar a alma resfriada pela dureza da morte e a ressuscitar o sentido da
vida que se havia decomposto. Assim fervia o coração dos dois homens ao ouvirem
a voz do desconhecido expor graciosamente as razões da morte injusta e
sangrenta do professor amigo, cujas imagens não lhes saiam da mente. Foi ali
que eles puderam perceber que nunca se entende um amigo por completo,
mesmo que esse amigo seja habilidoso em palavras,também porque o outro terá
sempre um "que" de mistério divino. Foi ali que puderam perceber que
o mestre do amor e dos marginalizados sempre falou do que haveria de acontecer,
mas eles foram incapazes de compreender o sentido da palavra, do verbo, das
boas novas, porque o coração queria que fosse diferente do que se estava sendo
dito, coisa normal ao coração humano.
Mas chegou o momento da despedida
do caminho e do peregrino, contudo, eles não podiam deixar o sábio andante
caminhar mais adiante sozinho, porque já era noite, e na verdade, o tal homem
queria mesmo era ficar. A desculpa de ele ter tomado aquele caminho, e ir mais
adiante, era apenas uma desculpa de quem queria fazer uma doce surpresa aos
amigos amados; desculpa de quem queria trazer esperança a alma desiludida; de
quem queria se sentar à mesa e compartilhar a alegria do pão, símbolo da
profunda amizade. E ali, certamente perceberiam de que o desconhecido era a
pessoa mais íntima a eles. Porque há pequenos detalhes em uma amizade que
são únicos a ela, é o que a torna insubstituível; porque há grandes detalhes em
uma amizade que a torna imprescindível.
Ao redor daquela mesa, eles
saberiam por que o coração deles ardia ao som da afável voz. Ali veriam de que
ninguém sabia partir o pão tão amavelmente como o amigo que se deixou matar
para continuar sendo a amizade que caminha lado a lado, que cruza o caminho no
momento da desilusão, que se revela vida, quando o que resta é o luto da morte.
Ali perceberiam de que o melhor amigo pode ser reconhecido até mesmo em um
peregrino que se deixa ser a voz que mais se precisa ouvir. Que o melhor amigo
pode estar junto a você a caminho de uma pequena aldeia, Emaús.
2012 © Lucas Nascimento
Texto publicado originalmente em www.lucasnascimento.jimdo.com
em 2011
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