terça-feira, 24 de julho de 2012

Quando eu for velho


Um dia serei velho (...), daqueles que falam mansamente porque já não têm tanta força para impostar a voz; daqueles que sentem prazer em brincar com os netos e contar boas histórias pra todos ouvirem e rir; e quando esse tempo chegar, eu serei bem parecido com minha esposa, porque o amor amadurecido já terá vencido boa parte de nossas diferenças; terei ensinado bastante aos meus filhos e terei aprendido muito mais sobre o amor com eles do que com todos os livros que tiver lido; terei chorado a perda de alguns dos melhores amigos da juventude e estarei me esforçando pra visitar outros que já estarão se indo.

Quando eu viver essa ocasião, terei escrito muitos livros, feito muita coisa boa; serei honrado por alguns e criticado por outros, e já não pensarei os pensamentos de hoje, não mais serei o jovem que agora sou e não mais olharei a vida como olho nesse instante. Isso porque espero ver algumas coisas mais nitidamente, espero não ver somente a dor nos olhos dos miseráveis e excluídos deste mundo, pois com o tempo a gente vai aprendendo que a mais profunda beleza não está somente nas coisas, está no olhar de quem as enxerga. E assim, a gente aprende que à medida que os anos passam e as vistas encurtam é que a gente vai enxergando a vida mais profundamente.

É do alto de minha velhice que olharei, de lá de cima, e verei os sonhos que terei realizado, espero que estejam inclusos alguns dos muitos que hoje me fazem caminhar intensamente. Mas aprenderei a não valorizar somente as realizações, porque terei experimentado muitas frustrações, com as quais terei entendido que a topada que tomamos durante o percurso, serve para calejar bem o pé pra não correr o risco de a próxima abrir uma ferida maior. Contudo entenderei também que as topadas servem para adquirirmos habilidade em desviar-nos das ardilosas pontas de pedras dispostas na rodagem da existência.

Quando for velho, lerei este texto e não me conterei: as lágrimas descerão elegantemente por minha face franzida pelo tempo, e ao rolarem até a boca, sentirei o sabor de ter vivido até o exato instante pra poder chorar gotas de recordações misturadas a um sentimento estranho apossado em meu peito, ao buscar na memória a recordação da noite em que sentei para escrever no presente o futuro que só existia dentro de mim.

E quando eu estiver chorando os meus saudosos sentimentos, minha esposa chegará do jeito que somente ela saberá chegar e vai me perguntar:

- Por que chora?

Eu, olhando para o pedaço de papel em que tudo está escrito, pacientemente limparei as lágrimas do rosto, levantarei a cabeça, pegarei na mão dela, apertarei delicada e firmemente, olharei nos olhos e direi suave:

- Meu amor, é a vida... É a vida, amor, e suas recordações... (...) e jamais esqueci o carioso olhar que ela me deu, fazendo ecos poéticos com inúmeros outros em meu coração.

  
Publicado originalmente no "Varal de Notícias" 2011, jornal de Literatura do Mestrado em Estudo de Linguagem e Identidades da Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Salvador.

2012 © Lucas Nascimento

Texto publicado originalmente em www.lucasnascimento.jimdo.com em 2012

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