Um dia serei velho (...),
daqueles que falam mansamente porque já não têm tanta força para impostar a
voz; daqueles que sentem prazer em brincar com os netos e contar boas histórias
pra todos ouvirem e rir; e quando esse tempo chegar, eu serei bem parecido com
minha esposa, porque o amor amadurecido já terá vencido boa parte de nossas
diferenças; terei ensinado bastante aos meus filhos e terei aprendido muito
mais sobre o amor com eles do que com todos os livros que tiver lido; terei
chorado a perda de alguns dos melhores amigos da juventude e estarei me
esforçando pra visitar outros que já estarão se indo.
Quando eu viver essa ocasião,
terei escrito muitos livros, feito muita coisa boa; serei honrado por alguns e
criticado por outros, e já não pensarei os pensamentos de hoje, não mais serei
o jovem que agora sou e não mais olharei a vida como olho nesse instante. Isso
porque espero ver algumas coisas mais nitidamente, espero não ver somente a dor
nos olhos dos miseráveis e excluídos deste mundo, pois com o tempo a gente vai
aprendendo que a mais profunda beleza não está somente nas coisas, está no
olhar de quem as enxerga. E assim, a gente aprende que à medida que os anos
passam e as vistas encurtam é que a gente vai enxergando a vida mais
profundamente.
É do alto de minha velhice que
olharei, de lá de cima, e verei os sonhos que terei realizado, espero que
estejam inclusos alguns dos muitos que hoje me fazem caminhar intensamente. Mas
aprenderei a não valorizar somente as realizações, porque terei experimentado
muitas frustrações, com as quais terei entendido que a topada que tomamos
durante o percurso, serve para calejar bem o pé pra não correr o risco de a
próxima abrir uma ferida maior. Contudo entenderei também que as topadas servem
para adquirirmos habilidade em desviar-nos das ardilosas pontas de pedras
dispostas na rodagem da existência.
Quando for velho, lerei este
texto e não me conterei: as lágrimas descerão elegantemente por minha face
franzida pelo tempo, e ao rolarem até a boca, sentirei o sabor de ter vivido
até o exato instante pra poder chorar gotas de recordações misturadas a um
sentimento estranho apossado em meu peito, ao buscar na memória a recordação da
noite em que sentei para escrever no presente o futuro que só existia dentro de
mim.
E quando eu estiver chorando os
meus saudosos sentimentos, minha esposa chegará do jeito que somente ela saberá
chegar e vai me perguntar:
- Por que chora?
Eu, olhando para o pedaço de
papel em que tudo está escrito, pacientemente limparei as lágrimas do rosto,
levantarei a cabeça, pegarei na mão dela, apertarei delicada e firmemente,
olharei nos olhos e direi suave:
- Meu amor, é a vida... É a vida,
amor, e suas recordações... (...) e jamais esqueci o carioso olhar que ela me
deu, fazendo ecos poéticos com inúmeros outros em meu coração.
Publicado originalmente no
"Varal de Notícias" 2011, jornal de Literatura do Mestrado em Estudo de
Linguagem e Identidades da Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Salvador.
2012 © Lucas Nascimento
Texto publicado originalmente em www.lucasnascimento.jimdo.com
em 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pela interação