quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Depende de nossa esperança


Depende de nossa esperança

Esta semana conversei com alguém que dizia preferir iniciar o ano triste. Eu perguntei a ele, mas você gosta dessa sensação? Ele me respondeu de maneira muito serena: - meu caro, uma coisa é você gostar de algo, outra coisa é você gostar de optar pelo melhor. Há prazer nas duas atitudes, mas na segunda o prazer é indizível e prudente. Ele deu um leve sorriso e continuou - com o tempo e com um pouco de sabedoria a gente passa a gostar daquilo que de fato nos faz bem; não é fácil, mas com uma boa dose de esforço a gente aprende. Acredite, é preciso educar o prazer para se sentir prazer por aquilo que vale a pena viver. E essa coisa de educação dá um baita trabalho, e leva tempo.

Como eu estava bastante curioso, continuei a perguntar: mas venha cá, por que a tristeza, se você parece ter muitos motivos para iniciar o ano feliz.
- A gente tem sempre motivos tanto para se alegrar como para sentir tristeza - respondeu ele. Na alegria a gente muda pouco, a gente tende a manter, a conservar, mas a tristeza eleva o pensamento e nos impulsiona a correr atrás da mudança que precisamos ser. As maiores mudanças são forjadas na dor, pode crer - disse balançado a cabeça.

Apesar de eu não me lembrar onde tinha encontrado aquele homem, nem mesmo ter certeza se ele existiu, certamente foi a melhor conversa que tive este ano, pois tive a oportunidade de organizar meu ponto de vista sobre o assunto e de dizer que tinha iniciado o ano com uma boa indigestão e náuseas. Estava indigesto com a superficialidade, com a hipocrisia e com essa nossa capacidade de fazer as coisas flutuarem para fora do lugar.

Então, eu tinha acabado de desejar um excelente ano novo para ela e logo ouvi falar da reincidência de sua doença. A nossa cidade começa o ano com uma velha doença que a deixa raquítica há anos, além de estar sendo maltratada por tanto tempo por quem deveria dela cuidar, agora, mais uma vez, implantaram um velho câncer na garganta de nossa mãe, já não basta os tumores pelo corpo, oh Câmara! Como nossa cidade terá um ano novo se continuamos a aceitar velhas atitudes e adoecedores que mortificam e nos fazem de idiotas? Será por que gostamos de ser idiotas ou por que não sentimos a tristeza suficiente para brutalizar a mudança? Mas talvez seja tudo isso com uma boa dose de passividade e ignorância.

Tenho para mim que quando iniciamos o ano alegres demais podemos correr o risco de não nos atentarmos para aquilo que nos faz realmente tristes, infelizes e decadentes o resto dos meses. Podemos nos iludir de que nossa vida vai mudar e que seremos mais felizes, mas tenho dito que para coisas novas acontecerem “é preciso ter coragem para visitar os porões da alma e rever o que passou; olhar as fotografias de conquistas e as caricaturas de derrotas, o lixo e a bagunça que restou. É necessário, sobretudo, ter coragem para se desvencilhar e não repetir as promessas vazias, com tons de autoajuda, feitas ano a ano a si mesmo, aos outros e a Deus na ocasião do novo ano que chega. Na verdade, para se pensar a felicidade é preciso ter sangue no olho, portanto, é imprescindível ter muita coragem e desprendimento de si mesmo”, e isso nem sempre, no primeiro momento, é saboroso.

Não adianta desejarmos o melhor se insistirmos em viver uma vida mediana. A esperança de um amanhã melhor precisa ser o incomodo que nos impulsione a caminharmos coerentes com aquilo que desejamos. É por isso que gosto de traduzir esperança não como espera, mas como coragem. Pois então, como canta Ivan Lins, “Se esse mundo ainda tem jeito/ Apesar do que o homem tem feito”, “Depende de nós” (Ivan Lins, Depende de nós).  Depende de nós termos esperança, ou seja, esperança que se chama coragem para mudar.

Lucas Nascimento
Crônica com Música, 03 de Janeiro de 2013, Cidade Fm.

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